sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Nos desembalos das 7 da manhã

Todos caminham como gladiadores que em breve terão que matar uma temida fera. Os rostos perdidos no meio da multidão esboçam a nostalgia de suas casas e do sono da noite anterior, mas o dever lhes impõe uma longa Odisséia, perigosa e incerta.

Nossos gladiadores – nos quais me incluo – vivem na modernidade do aperto e desconforto do campo de batalha que em nada se parece com o dos tempos de Spartacus. Esta zona de combate contemporânea que é ao mesmo tempo temida, odiada e necessária é a linha vermelha do metrô de São Paulo.

Pode parecer exagero, mas se você, meu amigo (a), ainda é um virgem na arte de pegar metrô, pense que dentro dos vagões do trecho leste-oeste é totalmente comum seis pessoas ocuparem o mesmo metro quadrado.

E por falar em vagões, dentro deles está escondido o Santo Graal de cada passageiro: os bancos. Isso mesmo. Aqueles bancos de plástico, duros e simples, que são o motivo de vários rounds de cotoveladas e empurrões que só acabam após o “PIIIIII” do fechamento das portas. Exatamente como o gongo funciona no boxe.

E depois de muitos contorcionismos, os abençoados pela graça Divina que conseguiram entrar primeiro nos vagões têm o livre arbítrio para escolher entre os bancos marrons e os azuis. Mas é óbvio que a preferência é pelos marrons, porque, infelizmente, os azuis podem causar danos terríveis às pessoas saudáveis; afinal, não é difícil ver usuários que estão neles sofrerem de um sono devastador exatamente na hora em que entra uma grávida ou um idoso no metrô.

Contudo, engana-se quem pensa que metrô é só martírio. Metrô também é entretenimento! Há inclusive encenações muito bem trabalhadas de pedintes que não conseguiram curar suas doenças ou arranjar um emprego ao longo dos meus 10 anos de rotina metroviária. Sempre com os mesmos atores, e tudo em troca de uma mísera moedinha.

Os estudantes que pretendem seguir uma carreira que exija conhecimentos de física também contam com uma contribuição considerável da linha vermelha. Um dos bons exemplos disso ocorre na estação Brás, onde uma das leis de Newton é totalmente desmoralizada, pois a partir dessa estação dois corpos passam a ocupar o mesmo lugar no espaço. Por sorte, a credibilidade de Newton não é totalmente perdida, já que na estação Sé sua primeira Lei se faz presente e é comprovada quando mesmo que o felizardo não queira desembarcar, ele acaba desembarcando por inércia, todos os dias entre seis e oito da manhã e cinco e nove da noite.

São tantas horas perdidas dentro de uma estrutura de alumínio que nós, passageiros, nos transformamos numa família como qualquer outra. Temos brigas e desentendimentos, mesmo estes sendo causados na maioria das vezes por empurrões ou por cavalheiros que tentam se aproveitar de damas indefesas que frequentam os estreitos corredores. Mas nada que não se resolva com uma singela e exaustivamente repetida frase: “se não está contente vai de táxi!”.