sábado, 12 de abril de 2014

Planejamento urbano e suas repercussões

A região metropolitana de São Paulo corresponde à uma área que abriga 39 municípios do Estado. Com pouco mais de 20 milhões de habitantes, esta região representa um dos pólos mais importantes do país em termos de população e economia. Porém, o que muitos não veem é a luta das cidades periféricas para acompanhar este avanço da região metropolitana.

Estas cidades-satélites sofrem com o processo natural de conurbação pela qual são submetidas e os reflexos deste processo muitas vezes são vistos apenas por aqueles que lá residem ou habitam.

O crescente avanço demográfico da região metropolitana de São Paulo caracteriza a maior megalópole do país, crescendo cerca de 19 milhões desde a década de 1940 (IBGE- cidades - http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 ). Porém as mudanças não são apenas populacionais, mas também de infra-estrutura e responsabilidade governamental, uma vez que quase quarenta cidades estão envolvidas no processo.

Ao ser perguntado sobre o processo de conurbação, suas causas e consequências, Ernesto Salazar, mestrando em economia política pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que pesquisa a expansão desenfreada de malhas urbanas, não apenas no Brasil, mas em outros casos como Cidade do México e Bombaim, defende que existem dois movimentos importantes: o primeiro é o do crescimento populacional dessas cidades, motivado tanto pela vinda de gente qu busca novas oportunidades econômicas em atividades diretamente ligadas à cidade de São Paulo. O outro movimento importante é o de expulsão da população pobre, que se vê impossibilitada de morar perto das regiões centrais, ainda que siga dependendo economicamente de atividades nessa região.

Com esses movimentos, as classes mais baixas da sociedade se veem cada vez mais marginalizadas e excluidas, exaltando a ironia de que quanto mais a cidade cresce, mais pessoas são afastadas e menos pessoas controlam os órgãos responsáveis em mudar este cenário. “Isso amplifica os problemas já existentes de infra estrutura da cidade, com dois agravantes: o primeiro é a própria extensão que tem implicações sobre gerência, e torna a questão de mobilidade urbana que não cabe no escopo de ação de uma prefeitura e leva ao crescimento de cidades sem qualquer base fiscal para que possam ser feitas políticas públicas, uma vez que estas se tornam cidades dormitório para atividades que de fato geram renda no município de São Paulo.” – continua Salazar.

É lógico que o enorme contingente populacional faz com que essas cidades tenham dinamismo próprio, mas em um planejamento integrado de desenvolvimento regional, a tendência a expansão da malha urbana sempre seguirá um padrão de agravamento dos problemas urbanos de São Paulo.
Devido ao avanço da malha urbana, o governo do Estado aprimorou as vias que compoem a região metropolitana, afim de facilitar os processos migratórios diários pelo qual o paulistano que não mora na capital é obrigado a efetuar. O anel viário que cerca a região metropolitana (Rodoanel) complementa o vasto número de acessos à capital, porém sua realização demorou cerca de 50 anos para acontecer e agora atende a mais gente do que era previsto na sua criação (1950). Mario Covas, em 1998 tirou do papel o projeto, que visa evitar a passagem de caminhões, carros e ônibus por dentro das vias marginais da capital (Tietê e Pinheiros).

Recentemente foi criado pelo Governador Geraldo Alckmin a Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano, que visa o melhoramento e desenvolvimento da região Metropolitana de São Paulo. De acordo com o secretário atual, Edson Aparecido, serão feitas cinco audiências com os 39 municípios, que serão ouvidos para a conclusão dos planos. “A Região Metropolitana de São Paulo terá um instrumento moderno e contemporâneo de integração e planejamento para a solução dos problemas metropolitanos”, afirma Edson.

A Secretaria foi criada devido à discrepância que existe entre a capital e os demais municípios no entorno da cidade. Em uma das cinco audiências, a prefeita de Juquitiba desabafou e dizendo que em sua cidade “apenas 13% do esgoto é tratado”.

Já o arquiteto Alberto Yun, formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e responsável por processos de fiscalização da imobiliária Lopes também frisa que os problemas de planejamento são os mais cruciais quando se trata do assunto – “A primeira coisa que vem a mente é a desorganizacao da cidade em si.” Sem este planejamento, a construção e expansão da região se dá de uma maneira desordenada, uma das principais causas de problemas infraestruturais da cidade. Ao contrário da capital francesa Paris, onde as ruas convergem em direção ao marco zero da cidade (Arco do Triunfo), a região metropolitana de São Paulo não segue padrões pré-planejados de ocupação, o que gera uma total displicência na escolha da região para se habitar. Inundações, deslizamentos de terra e saneamento mal distribuido são consequências dessa ocupação despreocupada, tanto por parte do governo quanto por parte da população.”Tendo esse planejamento previo é mais facil de organizar tudo, inclusive os esgostos. Através desse planejamento seria possível fazer um estudo das condições do solo, o que facilitaria no sucesso da implementação de saneamento básico, fornecimento de água e eletricidade, barateando custos e diminuindo prazos.” - completa Alberto.

Os problemas de infra-estrutura causam reflexos na sociedade, que é obrigada a uma adaptação logística. Instituições básicas como escolas e hospitais públicos são as maiores procupações dos moradores e trabalhadores da região. Washington Luiz Correia é um médico nascido no Rio Grande do Norte, formado pela USP (Universidade São Paulo) e dono de uma clínica de hemodiálise na cidade de Osasco, região metropolitana de São Paulo. Por suas várias contribuições à cidade, como a abertura de sua clínica que atende pessoas carentes pelo SUS, em 2007 recebeu o título de “Cidadão Osasquense”.

De acordo com o Dr. Washington, o município com pouco menos de 700 mil habitantes tem mais carências que a capital paulista. “Na área de saúde e de estrutura social Osasco está muito para trás; até culturalmente estamos para trás. A parte de favela de Osasco é muito precária, há muitas carências e pouco trabalho social. Só estamos com o trânsito é melhor”, conta o médico.

“Já exigi muitas mudanças onde eu tenho conhecimento, principalmente na área de saúde, pelo fato de eu ser médico. Mas por Osasco ser um reduto genuinamente petista e o governo Estadual ser do PSDB, é muito difícil negociar acordos e mudanças”, desabafa Washington.
Para os moradores da cidade, Osasco cresceu muito nos últimos anos, mas a estrutura não acompanhou o ritmo acelerado. “Aqui falta segurança, infra-estrutura e principalmente melhorias na saúde. Não estudo na cidade, portanto não posso falar sobre a educação”, conta a estudante de publicidade Juliana do Amaral, 22 anos. ”Mas o pior são as pessoas que moram em condomínios de luxo de Osasco e dizem que moram em São Paulo. Se os moradores não têm amor pela cidade porque os governantes deveriam ter?” questiona a estudante.

A linha férrea do metrô paulistano é, aproximadamente, quatro vezes menor que de suas cidades-irmãs, como Londres e Nova York. Atualmente, ela cobre poucos espaços da capital, e não há previsão de que o metrô chegue às regiões metropolitanas de São Paulo. “Quando eu estudava a noite era um martírio. Tinha que pegar um metrô e um trem e levava mais de uma hora para chegar em casa. Saia do cursinho onze e meia e só chegava por volta da uma da madrugada”, conta Juliana. “E ainda se somarmos com a falta de segurança da cidade dá para se ter uma idéia de como é precária a vida de quem depende de transporte público para chegar a Osasco”, completa a estudante.

Outras cidades, como Jundiaí, não sofrem tanto com problemas de infra-estrutura, mas ainda assim, se comparado a São Paulo, está aquém do esperado pela população. “Por mais que Jundiaí tenha se tornado uma cidade grande e, sim, apresente uma boa infra-estrutura, ainda há exemplos de falhas. Como por exemplo o Projeto SESC (Serviço Social do Comércio), que existe há anos em São Paulo e somente este ano foi criado em alguns pontos de Jundiaí”, relata a empresária Marlene Zanini Frattini, 50 anos.

“Graças a Deus tenho a condição de ir procurar em outras cidades, como Campinas e São Paulo, o que falta em Jundiaí, mas a maior parte da população está sujeita a condições que não seriam as ideais. Falta uma melhor estrutura de hospitais, escolas, tanto públicas quanto técnicas, áreas de lazer, etc”, conta Marlene.

Outro grande problema deste rápido avanço da malha urbana é marginalização não apenas de terrítórios, mas de comunidades e pessoas. Ao ser perguntada porque existe essa marginalização, Karina Suzuki, especialista em planejamento urbano da construtora Cyrela, responde: “A região metropolitana reúne oportunidades e prestações de serviços, fazendo com que haja um crescimento urbano e migrações pendulares. No entanto, o crescimento na periferia aumenta a área de expansão urbana, porém não a área urbanizada, uma vez que esse crescimento desordenado faz com que haja uma falta de planejamento urbano, acarretando uma sobrecarga da infra-estrutura, que não é capaz de atingir tais áreas que ficam carentes de transporte, moradia, saneamento básico e energia.”

O engenheiro de tráfego Erik Sato ainda completa que as consequências são mais positivas do que o contrário – “a primeira idéia que vem para um engenheiro, é positiva, pois esse crescimento da malha urbana, independentemente de qualquer valor socio-urbanistico, a engenharia esta envolvida, e terá campo. Mesmo que isso implique a perda de valores para a cidade.”

O espaço urbano de uma cidade, envolve muito mais a engenharia urbana, do que simplesmente a construção civil. E nessa área da engenharia civil, há muita preocupação com valores históricos e gestão urbana. Erik ainda completa – “vejo muito mais consequencias positivas que negativas, pelo fato de que esse crescimento agrega novas tecnologias, empregos, e trará algumas características e valores da metrópole”
Já o prefeito de Embu das Artes, Chico Britto, reforçou a insatisfação dos municípios com dados sobre os gastos feitos pelo Governo Federal, Estadual e Municipal. “De cada R$ 100 gastos com saúde R$ 1 é do Estado R$ 79 de governo federal e R$ 19 do município. A presença do estado é quase abstrata nas cidades. Se olharmos os números do que o estado arrecada nos municípios e o que ele devolve em investimentos vamos ver as disparidades”, declarou

São Paulo poderá ter pedágios urbanos

Projeto do vereador Carlos Apolinário busca a diminuição dos congestionamentos e da poluição. Dinheiro será revertido para o transporte público

Buscando a melhoria do trânsito de São Paulo, está em tramitação na Câmara Municipal um projeto de Lei proposto pelo vereador Carlos Apolinário (DEM) que visa a implementação de pedágios urbanos no centro expandido da cidade. O projeto foi considerado legal pela CCJ (Comissão de Constituição de Justiça) no último dia 25 de abril, mas ainda não há prazo para que a Lei seja votada e sancionada.

A taxa cobrada para os veículos que circularem pelo centro expandido será de quatro reais por dia, não importando o número de vezes que o motorista circular pela área, que é a mesma onde já funciona o rodízio municipal. Se o cidadão tiver de ir todos os dias ao centro, o máximo que ele pagará será 88 reais mensais, pois nos fins de semana e feriados a circulação será isenta de cobrança.

Segundo o vereador Carlos Apolinário, redator do projeto, o dinheiro arrecadado deverá ir para o transporte público. Pelos cálculos do vereador e sua equipe, tendo como base os números da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), a cobrança renderá a São Paulo dois bilhões de reais anuais, dinheiro que tornaria possível a criação de mais corredores de ônibus e a construção de aproximadamente 10 km de metrô por ano, já que cada quilômetro de linha custa ao governo 220 milhões de reais.

A CET, contudo, afirmou à reportagem não ter o número de veículos que circulam diariamente pelo centro expandido de São Paulo. Nas marginais existe o levantamento, e foi constatado que pela marginal Tietê passam 180 mil carros por dia, enquanto na marginal Pinheiros são 350 mil. Pelos cálculos, a arrecadação mensal com os pedágios urbanos seria de aproximadamente 10 milhões e 200 mil reais.

Por outro lado, o arquiteto, urbanista e professor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP) Cândido Malta Campos Filho fez um levantamento próprio, no qual “anualmente a cidade arrecadará 600 milhões de reais, o que tornaria possível a construção de 2 km de metrô por ano”. Atualmente, é construído apenas 1 km de metrô ao ano.

O professor Cândido acredita que a curto prazo não há outra saída a não ser a implementação de pedágios, e defende que este projeto diminuiria 30% da frota de veículos que circulam diariamente pela capital paulista, o que auxiliaria, inclusive, na redução dos problemas de estresse da população.

Para Cândido Malta, a malha metroviária já existente em São Paulo não comportará um número maior de pessoas usando o transporte coletivo e, por isso, seria necessária a criação de mais linhas de micro-ônibus interligando as regiões de acesso aos metrôs e trens.

Dentro da proposta do projeto de lei, Carlos Apolinário estipula que todos os veículos tenham instalados chips de identificação, o que tornaria possível a fiscalização dos veículos que entrarem no centro expandido. O sistema de cobrança, segundo Apolinário, seria semelhante ao sistema Sem Parar de pedágio e estacionamento, com emissão de cobranças mensais. O projeto propõe ainda que os táxis estarão livres da taxação para que o preço das corridas não aumente. Para os carros de fora do município de São Paulo, mas que percorrem as regiões da cidade onde ocorrerá a cobrança, ainda não existe um planejamento.

No início de 2012, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei Mobilidade Urbana, que libera municípios com mais de 20 mil habitantes a terem pedágios urbanos. Carlos Apolinário tem a mesma opinião do professor Cândido Malta, em que os pedágios são o único modo de reduzir os congestionamentos, a poluição causada pelos carros e incentivar as pessoas a utilizarem meios alternativos de transporte. “Na minha casa, eu tenho carro, minha mulher tem carro, meu filho tem carro e minha neta (de 16 anos) já está pensando em um carro. Essa é a nossa mentalidade. As pessoas precisam voltar a ter um pouco mais de razão em relação à saúde, em relação à cidade”, afirma Apolinário.

O próprio Carlos Apolinário concorda que o projeto dos pedágios é impopular e que dificilmente será votado em 2012, ano de eleições municipais. “O pedágio urbano é um projeto impopular. Para implementá-lo tem que ser por um prefeito eleito. Só existem duas pessoas a favor dele: o professor Cândido Malta, pelo trânsito, e o Secretário do Verde e Meio Ambiente, Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho, pelo meio ambiente.”

Antes de ser votado, o projeto de Lei ainda terá de passar pela Comissão de Transportes e pela Comissão de Finanças. Procuradas pela reportagem, CET e SPTrans afirmaram que ainda não realizam estudos sobre a implementação dos pedágios.

Do legume à Portugal


A artrite já não permite que os dedos que outrora ceivavam o que a terra disponibilizasse para comer durante o ano todo cortem com destreza os legumes para um almoço simples, porém farto, para si própria e para a filha num almoço casual em plena terça-feira. Já sabendo do conteúdo da conversa, o olhar se perde num infinito longínquo de lembranças a cada pedaço de cenoura que se choca com um simples vasilhame de plástico em cima da pia.

Uma ilha sem muitos recursos, perdida no Atlântico, não proporciona oportunidades, para que pessoas enriqueçam por seu trabalho e força de vontade. Na Ilha da Madeira, é mais provável que a terra absorva o ser humano do que o inverso. “Nasci e morei lá até os 40 anos, mas nunca mais voltei e não tenho a mínima vontade de voltar. Você voltaria para onde a única lembrança é de sofrimento e fome?”.
Maria de Freitas Caetano, 92 anos, já passou mais de metade de sua vida morando no Brasil, mais precisamente na zona leste de São Paulo. Contudo, mesmo com toda a ojeriza de lembranças de sua terra natal, ainda não perdeu o caraterístico sotaque português da Ilha da Madeira. Segundo ela, um jeito menos anasalado e complicado de se falar, que provavelmente é uma mistura do sotaque português de Portugal com o de judeus e marroquinos que serviram como escravos durante o povoamento da ilha.

Mais antiga que o descobrimento do Brasil, a colonização da Ilha da Madeira teve início ainda, no século XIV, para ser uma colônia de exploração e, principalmente, para desafogar as prisões de Portugal. “As pessoas do continente nos chamavam de carrascos, pelos nossos antepassados. Eu já era estrangeira na minha terra e vim ser estrangeira também no Brasil”, relata Maria com bom humor.
De mudança para o outro lado do Atlântico com o marido e quatro filhos pequenos, com as passagens ainda em débito com vizinhos, Maria vislumbrou um futuro melhor longe da terra onde nascera. “Tinha familiares no Brasil. Eles diziam que trabalhavam muito como lá, mas que pelo menos aqui se ganhava dinheiro para sobreviver sem fome”.

Maria viveu em um cortiço e vendia bordados, enquanto o marido trabalhava em uma fábrica de colchões da Probel. Suas irmãs conseguiram se estabelecer e compraram terras no interior do estado de São Paulo, porém Maria não teve a mesma oportunidade e recorreu à cidade grande para tentar realizar seu projeto de uma vida melhor.
Hoje, a senhora portuguesa gasta seu tempo bordando por hobbie e não tem as preocupações financeiras de antigamente. “Consegui estudar todos os meus filhos e essa foi minha sorte. Gasto quase mil reais com medicamentos por mês e, graças a Deus, não tenho que me preocupar com isso”.

Nesse mesmo momento, sua filha, que se chama Alcinda, lança-lhe um olhar ressabiado e dá um risada irônica antes de soltar um leve puxão de orelha na idosa: “Só porque a senhora não paga nada, não quer dizer que esteja tudo bem. Olha quanto sal na comida. Diminui que a conta dos remédios também caem”. Maria se deu o direito de fingir que não escutou essa argumentação.
Maria pode ser considerada o estereótipo da senhorinha bonachona. A qualquer momento, os olhos já cercados por rugas lançam olhares de complacência acompanhados de um sorriso e sempre com as mesmas palavras iniciando suas frases: “oh, meu filho...” ou “oh, meu filhi...”, se formos levar ao pé da letra o sotaque madeirense.

O almoço acabou e Maria se levanta com dificuldade para se dirigir até a sala de sua casa para cochilar um pouco. A idade avançada já está pesando sobre suas pernas, e a silhueta espaça contribui com a dificuldade de respirar num percurso de apenas dez metros que ilustra a frase dita por sua filha há pouco mais de 30 minutos.

“Acho que minha pressão está um pouco baixa”, diz Maria a sua filha, ao se sentar em sua poltrona. Alcinda joga os olhos para cima, relaxa os braços em sinal de desistência e sai para trabalhar sem falar “tchau”. Maria ganhou a batalha pelo direito do sal.
Antes de tirar seu merecido cochilo após o almoço, Maria faz uma oração em voz baixa de maneira demorada. “Estou agradecendo tudo que eu tenho e pedindo paz para aqueles que já se foram”. Maria perdeu o marido há pouco mais de dois anos e, durante sua vida, viu seis de seus filhos morrerem em decorrência da falta de recursos tanto na Ilha da Madeira quanto no Brasil. “Passei por muitas tristezas, mas não vai demorar pra eu ir encontrar o meu velho”.

Para os amigos que a conhecem desde os velhos tempos, Maria sempre disse que não ia durar muito, pois sempre foi muito doente. Mas já chegou aos 92 anos, e os cem estão logo ali.

A nova política tabagista brasileira


Preço do cigarro aumenta e influencia no bolso do consumidor


O preço do cigarro aumentou no último dia primeiro de maio e está alterando a rotina dos fumantes que agora estão fazendo contas para avaliar se ainda vale a pena continuar com o cigarro. “Antes eu gastava 100 ou 120 reais por mês. Agora vou gastar uns 150 reais. É uma boa hora para parar de fumar”, afirma o estudante Rodolfo Paioletti, 20 anos.

O governo aumentou o modelo de cobrança do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos cigarros, com a nova aliquota reajustada para 14% a partir do dia 06 de abril de 2012. Esse reajuste trará aos consumidores o preço já reajustado a partir dos varejistas. Além deste reajuste, o governo também impôs aos varejistas que maços de cigarro devem chegar ao bolso do consumidor por no mínimo 3 reais, sujeitando-o à punições legais caso esta nova implementação não seja seguida.

O IPI é cobrado pelo governo federal com base no valor dos produtos manufaturados pela indústria nacional, portanto, está presente sobre todos os produtos industrializados. O economista e professor pela Universidade São Judas Tadeu, Davi D. Dantas, foi entrevistado e explicou o aumento do IPI dos cigarros como uma ação do governo para estimular que as pessoas parem de fumar. "Há alguns anos o governo federal tem sinalizado com uma política publica de maior restrição ao consumo de cigarros, por essa razão aumenta o IPI do produto."

O professor afirma que os fumantes terão que pagar mais caro para satisfazer seus desejos e que os não fumantes podem até ser beneficiados: "Com relação aos não fumantes, a medida indiretamente os beneficias porque as pessoas devem consumir menos cigarros, ou, se mantiverem o consumo normal, pagarão mais impostos ao governo, que poderá redistribuí-los na forma de benefícios á população geral.”

Em relação às outras mudanças causadas pelo aumento do valor do cigarro, Dantas afirma: "A indústria tabagista envolve vários setores da economia, principalmente na produção do fumo, realizadas em pequenas e médias propriedades agrícolas. Deste modo, a redução do consumo implica mudanças nos padrões de produção destas unidades agrícolas."

O Doutor em Economia Política pela UFRJ, Ernesto Salles, 27 anos, também explica que o cigarro influencia na inflação brasileira, porém o efeito é reduzido. “No índice mais comum, o IPCA do IBGE, o peso do tabaco na cesta de bens sobre a qual a inflação é calculada é inferior a 1%. Além disso, é importante ter em conta que aumentos de impostos, ainda que impactem sobre o preço em um primeiro momento não constituem fator de pressão inflacionária, uma vez que uma vez reajustado, esse valor permanecerá estável nos meses seguintes.”, afirma o Doutor.

Com o acréscimo no valor, apesar da expectativa de que o número de fumantes caísse quando foi concretizado o aumento, vendedores e donos de estabelecimentos que vendem cigarros dizem o contrário. "Pessoas que ganham menos procuram por cigarros mais baratos, mas no número de vendas não mudou muita coisa", afirma José Adauto Araújo, 47 anos, dono de uma padaria. "Teve um cliente que eu fui informar do aumento, ele me disse que mesmo custando R$ 50,00 ele vai continuar fumando", conta Marta Silveira, 38 anos, dona de uma banca de jornal.

A frase do aposentado Ângelo Zago, 84 anos, prova que o aumento ainda não afetou diretamente no seu consumo. “Eu fumo desde os 15 anos. O meu vício impede que eu diminua, então eu continuo comprando o mesmo número de cigarros mesmo o preço tendo sido elevado”.
Inicialmente o aumento sobre a tributação do cigarro estava previsto para novembro de 2011, mas após um decreto emitido pelo governo, o reajuste foi adiado para abril do próximo ano. Em nota emitida pela fabricante Souza Cruz, diz-se: "A Souza Cruz, em virtude da necessidade de administrar os impactos desta medida, repassará aos seus produtos um aumento médio de 24% a partir de 6 de abril".

Em entrevista ao Valor Econômico, Andrea Martini, presidente da companhia prevê que com esta medida, o consumo de cigarros no país diminua. E isso é previsto sem a utilização de valores reais ou projeções de demanda. Já no ano passado a empresa registrou uma diminuição de 1,4% no volume de cigarros vendidos.

O novo preço dos cigarros pode variar de acordo com a marca, os ingredientes e a apresentação do produto, de acordo com o intervalo de R$ 0,76 a R$ 1,30 sobre a taxação do IPI. O decreto prevê um aumento de 55% no preço final que chega às mãos do consumidor. A arrecadação total do governo sobre os cigarros vai aumentar, segundo projeções da Receita Federal, passando de R$ 3,7 bi/ano para R$ 7,7 bi/ano em 2015. Esta arrecadação será usada pelo governo para compensar a perda de R$ 20,7 bilhões referente ao pacote de auxílio à empresas que contém desonerações de produtos, além de outras medidas favoráveis à concorrência.
"O preço do cigarro está um absurdo, eu sei que isso serve de incentivo para as pessoas pararem de fumar, mas eu acredito que existam outros vícios que são muito mais baratos e, dessa forma acabam sendo até mesmo incentivados", começa Andressa Melo, 19 anos, estudante e fumante. "O álcool, por exemplo, é mais viciante e muito mais consumido que o cigarro. Se você pensar na proporção do preço do litro da cerveja, por exemplo, acaba sendo muito mais acessível", conclui Andressa.

Os fabricantes, porém, podem escolher entre dois modos de produção e distribuição dos cigarros. Ele poderá escolher entre o Regime Geral ou o Regime Especial. Caso escolha permanecer no regime geral, terá que aceitar um aumento de 81% na carga tributária. O artigo 2 do informe disponibilizado pela receita federal diz: “O IPI, seja no regime geral ou especial, será apurado e recolhido uma única vez pelo estabelecimento industrial, nas saídas dos cigarros destinados ao mercado interno, ou pelo importador, no desembaraço aduaneiro dos cigarros de procedência estrangeira. Além disso, na hipótese de adoção de preços diferenciados em relação a uma mesma marca comercial de cigarro, prevalecerá, para fins de apuração e recolhimento do IPI, o maior preço de venda no varejo praticado em cada Estado ou no Distrito Federal”.

O artigo 5º do decreto nº 7555 aponta que aqueles que optarem pelo Regime Especial poderão apurar e recolher o IPI através da somatória de duas parcelas, calculadas a partir de tabelas das seguintes alíquotas:


VIGÊNCIA ALÍQUOTAS
AD VALOREM ESPECÍFICA
MAÇO BOX
01/12/2011 a 30/04/2012 0% R$ 0,80 R$ 1,15
01/05/2012 a 31/12/2012 40,0% R$ 0,90 R$ 1,20
01/01/2013 a 31/12/2013 47,0% R$ 1,05 R$ 1,25
01/01/2014 a 31/12/2014 54,0% R$ 1,20 R$ 1,30
A partir de 01/01/2015 60,0% R$ 1,30 R$ 1,30


O reflexo deste aumento poderá ser melhor visto dentro de alguns anos, uma vez que a projeção do governo prevê um preço final de R$ 12,00 para o maço de cigarro. Além da diminuição de demanda, prevê-se uma diminuição de oferta, já que aqueles que não seguirem às estipulações previstas no decreto podem sofrer consequências penais, como a probição da venda por parte do distribuidor ou o registro suspenso por parte do fabricante.


Roger Waters emociona 60 mil pessoas no Morumbi

Roger Waters emociona 60 mil pessoas no Morumbi

Nos portões do Morumbi o clima para o show do ex- Pink Floyd não era muito diferente ao de outros espetáculos. A massa trajando preto e caminhando a passos lentos sorria e cantava regada a doses cavalares de cerveja e vinho químico, que logo se tornariam suor e vômitos se esvaindo em clamor por Roger Waters.

A passagem pelos portões é sempre marcada como um momento mágico; o momento em que cai a ficha e um estranho otimismo toma conta do ar. Amigos se abraçam como nunca e riem de maneira cativante. Nessa hora é fácil imaginar o tema da vitória da Fórmula 1 tocando ao fundo.
Lendas do rock, para nós que vivemos no Brasil e não estamos acostumados com eles por aqui o tempo todo, são como uma espécie de Divindade. Os veneramos por anos, mesmo sem nunca termos chegado perto deles para confirmar sua existência.

Atualmente, contudo, muitos artistas que há 15 anos nem sonharíamos ver estão vindo ao Brasil. Iron Maiden, Kiss, U2 e outras bandas agora se dão ao luxo de cruzar o Atlântico e descobrir um novo cantinho na América.

Parecia mentira, afinal, o show foi exatamente no dia 1 de abril, mas o palco para este grande evento não tinha toda a parafernália de caixas de som e telões múltiplos que são comuns em um show de rock.

Estava ali um palco bem cumprido, com 137 metros, mas com apenas um pequeno telão redondo e uma parede destruída bem onde a banda ficava. Aliás, o show era inteiramente feito com o álbum The Wall, lançado em 1979.

Roger, já um senhor com uma vasta cabeleira branca, dessa vez não surgiu com o tradicional baixo de quatro cordas que lhe acompanhava nos velhos tempos, mas sim com um violão preso ao ombro. Um aviador cobria boa parte de seu rosto, estava todo vestido de preto e ostentava um andar firme.

Não fez nenhuma saudação. Apenas apareceu e começou os primeiros acordes de In the flesh?. Impossível não notar a semelhança do cantor com Richard Gere.

Na plateia, olhos brilhando e gritos abafados pelos pulos que logo cessaram com o mar de cabeças que balançavam ao som lento, repetitivo e pesado da música de abertura do The Wall. Parecia que todos estavam numa transe ensaiada com movimentos quase idênticos, porém involuntários.

Ao todo foram tocadas 28 músicas durante duas horas e meia de show. O The Wall tem um significado especial para Roger Waters, pois as músicas são autobiográficas e são da trilha sonora do filme que leva o mesmo nome.

Ao longo do show, a parede que estava quebrada no meio foi aos poucos sendo reconstruída. Tão lentamente que muitos na plateia só perceberam a mudança quando ela estava completa e havia se tornado um imenso telão onde eram projetadas imagens variadas e as letras das músicas. Tudo ficou um pouco psicodélico nesse momento.

O telão e as caixas de som conversavam. Uma bomba explodia virtualmente atrás de Roger, mas quem sentia o impacto nos ouvidos era o público que não sabia ao certo se aquele barulho era real ou não. “Estava tudo muito lindo. Não esperava tanta produção no show do Rogério Águas (risos)”, diz Juliana Stankevicius, estudante, 20 anos.

Os sons que não faziam parte da banda, como de um helicóptero ou de crianças berrando e cantando não partiam das caixas de som do palco, mas sim de amplificadores colocados em cima do anel superior do estádio.

A sensação era de que realmente haviam crianças e helicópteros muito próximos do Morumbi, tanto que a todo o momento as pessoas olhavam para o alto em busca de alguma aeronave sempre com cara de interrogação e, depois, davam um leve sorrisinho ao perceberem que aquilo não era real.

“Nunca gostei muito de Pink Floyd, ficava mais no respeito por ser uma grande banda. Depois do show - que, agora, considero um espetáculo - comecei a gostar muito mais. A ‘parede’ era extremamente bem feita e o som era simplesmente espetacular”, afirma o estudante Andreas Couto, 20 anos.

Também foi possível notar que o show é extremamente teatral, e que Roger deve ter tido alguma dificuldade para decorar cada movimento feito durante o show. Algumas vezes o Roger do telão fazia os movimentos antes do Roger ao vivo.

Terminado o espetáculo, foram poucos os espectadores que sentiram falta dos outros quatro integrantes que formavam o Pink Floyd junto com Roger. Os efeitos especiais, a alta qualidade de som e , claro, o ótimo desempenho do artista de 68 anos de idade não deixaram lacunas a serem preenchidas.